quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Experiência Mística - exclusiva dos grandes místicos?

Sao_Joao_da_cruz
O termo experiência, do latim experientia, tem vários significados, porém, a maioria deles possui em comum o fato de referir-se a uma apreensão imediata de uma realidade ou de "processos internos". Filosoficamente, experiência tem dois sentidos fundamentais: como confirmação ou possibilidade de confirmação empírica de dados e como vivência de algo "dado", antes de qualquer reflexão ou predicação. A experiência pode, portanto, designar a apreensão de "evidências" de caráter não-natural, isto é, místicas . Neste último caso, a experiência, o fato de ter "sentido", "provado", é fundamental para tornar crível o testemunho de quem fala do sobrenatural, de Deus . A palavra mística, do grego mystikós (o que concerne aos mistérios), por sua vez, pode ser definida como a atividade espiritual que procura efetuar a união da alma com a divindade. O contato com o divino, para o neoplatonismo, provoca uma iluminação interior que permite conhecer o ser da realidade divina . A mística é a união da alma com o seu Primeiro Princípio.
Experiência mística seria propriamente uma experiência do divino, o encontro com o divino de pessoa a pessoa; é um "sentir" a presença de Deus, um sentir-se tocado por Ele no mais íntimo. Esse "sentir" dá a certeza de que é Deus mesmo quem fala. A mística possui um extraordinário poder revelador, prefigurando a própria visão beatífica . É distintivo da experiência mística, ademais de unir o homem ao Absoluto, uma forma de conhecimento espiritual que não se deixa apreender conceitualmente nem se traduz em palavras . Outro elemento constitutivo da experiência mística é a absoluta manifestação, a absoluta iniciativa divina, que penetra no ser humano transformando-o, ampliando seus limites, fazendo-o apreender diretamente e sem mediações a presença do Infinito .
São João da Cruz, ao descrever as purificações da alma nas noites escuras e a posterior luz que a invade, elevando o espírito a um sentir divino, estranho e alheio a todo modo humano, assim se expressa: "a alma virá a ter um novo senso e conhecimento divino, muito abundante e saboroso, em todas as coisas divinas e humanas, que não pode ser encerrado no sentir comum e no modo de saber natural; porque então tudo verá com olhos bem diferentes de outrora, – diferença essa tão grande, como a que vai do sentido ao espírito" . Acrescenta, ainda, que esse conhecimento místico e amoroso ilumina a vontade e, ao mesmo tempo, fere e ilustra o entendimento, infundindo certo conhecimento e luz divina, com tanta delicadeza e suavidade, que a vontade se afervora extraordinariamente .
Composto de corpo e alma, matéria e espírito, inseparáveis , o ser humano necessita das exterioridades para, através de uma ação harmônica e complementar dos sentidos e da inteligência, conhecer o mundo. Ou seja, é pelos sentidos que se dá o conhecimento natural. O conhecimento sobrenatural ou místico não tem necessidade de passar pelos sentidos, é uma comunicação direta de Deus no fundo da alma. É uma espécie de iluminação que, atuando sobre a inteligência, vontade e sensibilidade, transporta o espírito humano para uma ordem metafísica e sobrenatural. A impressão causada pela experiência do divino proporciona uma clareza especial de visão, produzindo um amor que eleva a pessoa acima do seu próprio nível e a enche do desejo de dedicação, tornando-a entusiasmada e ansiosa por entregar-se .
A duração dos fenômenos místicos pode variar; geralmente eles são muito curtos, algo à maneira de um relâmpago ou flash, entretanto, deixam na alma marcas indeléveis. Nesse sentido, Santa Teresa, tratando das manifestações da "Sacratíssima Humanidade" de Jesus Cristo, afirma: "E, embora seja com tanta presteza, que a poderíamos comparar à de um relâmpago, fica tão esculpida na imaginação esta imagem gloriosíssima, que tenho por impossível que se lhe tire até que a veja onde sempre a possa gozar" . Longe de ser uma "via extraordinária", exclusiva dos grandes místicos experimentais, a mística faz parte da experiência transcendente comum, "ordinária". Sem "sentir" a proximidade do Ser Absoluto – causa primeira e fim último de todas as coisas –, sem "experimentar" a possibilidade de unir-se a Ele, o ser humano ficaria abalado em sua certeza axiológica e ontológica, perderia a noção do seu próprio ser.

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