terça-feira, 30 de setembro de 2014

Bento XVI: palavras corretas politicamente incorretas



Caro Internauta, eis as palavras sábia, verdadeira, corajosa, desafiadora e politicamente incorreta do Papa Bento XVI aos Bispos na Conferência de Aparecida. Houve gente tendo ataque histérico por isso. Exemplos? O Ditador da Venezuela e alguns teólogos da libertação...

A fé em Deus animou a vida e a cultura destes povos durante mais de cinco séculos. Do encontro dessa fé com as etnias originárias nasceu a rica cultura cristã deste Continente expressada na arte, na música, na literatura e, sobretudo, nas tradições religiosas e na idiossincrasia de seus povos, unidas a uma mesma história e um mesmo credo, e formando uma grande sintonia na diversidade de culturas e de línguas. Na atualidade, essa mesma fé deve enfrentar sérios desafios, pois estão em jogo o desenvolvimento harmônico da sociedade e a identidade católica de seus povos. A respeito disso, a V Conferência Geral vai refletir sobre esta situação para ajudar os fiéis cristãos a viverem sua fé com alegria e coerência, a tomar consciência de ser discípulos e missionários de Cristo, enviados por Ele ao mundo para anunciar e dar testemunho de nossa fé e amor.
Mas, que significou a aceitação da fé cristã para os povos da América Latina e do Caribe? Para eles, significou conhecer e acolher Cristo, o Deus desconhecido que seus antepassados, sem saber, buscavam em suas ricas tradições religiosas. Cristo era o Salvador que ansiavam silenciosamente. Significou também ter recebido, com as águas do batismo, a vida divina que os tornou filhos de Deus por adoção; ter recebido também o Espírito Santo que veio para fecundar suas culturas, purificando-as e desenvolvendo os numerosos germens e sementes que o Verbo encarnado havia posto nelas, orientado-as assim pelos caminhos do Evangelho. Com efeito, o anúncio de Jesus e de seu Evangelho não supôs, em nenhum momento, uma alienação das culturas pré-colombinas, nem foi uma imposição de uma cultura estranha. As autênticas culturas não estão fechadas em si mesmas nem petrificadas em um determinado ponto da história, mas estão abertas, mais ainda, buscam o encontro com outras culturas, esperam alcançar a universalidade no encontro e no diálogo com outras formas de vida e com os elementos que possam levar a uma nova síntese na qual se respeite sempre a diversidade das expressões e de sua realização cultural concreta.
Em última instância, só a verdade unifica e sua prova é o amor. Por isso Cristo, sendo realmente o Logos encarnado, «o amor até o extremo», não é alheio a cultura alguma nem a nenhuma pessoa; pelo contrário, a resposta ansiada no coração das culturas é o que lhes dá sua identidade última, unindo a humanidade e respeitando por sua vez a riqueza das diversidades, abrindo todos ao crescimento na verdadeira humanização, no autêntico progresso. O Verbo de Deus, fazendo-se carne em Jesus Cristo, tornou-se também história e cultura.
A utopia de voltar a dar vida às religiões pré-colombinas, separando-as de Cristo e da Igreja universal, não seria um progresso, mas um retrocesso. Na realidade, seria uma involução para um momento histórico ancorado no passado.
A sabedoria dos povos originários os levou felizmente a formar uma síntese entre suas culturas e a fé cristã que os missionários lhes ofereciam. Daí nasceu a rica e profunda religiosidade popular, na qual aparece a alma dos povos latino-americanos:
- O amor a Cristo sofredor, o Deus da compaixão, do perdão e da reconciliação; o Deus que nos amou até entregar-se por nós;
- O amor ao Senhor presente na Eucaristia, o Deus encarnado, morto e ressuscitado para ser Pão da Vida;
- O Deus próximo dos pobres e dos que sofrem;
- A profunda devoção A Nossa Senhora de Guadalupe, de Aparecida ou das diversas invocações nacionais e locais. Quando a Virgem de Guadalupe apareceu ao índio São Juan Diego, disse-lhe estas significativas palavras: «Não estou eu aqui que sou tua mãe? Não estás sob minha proteção? Não sou eu a fonte de tua alegria? Não estás sob meu manto, no cruzar de meus braços?» (Nican Mopohua, nn. 118-119).

Esta religiosidade se expressa também na devoção aos santos com suas festas patronais, no amor ao Papa e aos demais Pastores, no amor à Igreja universal como grande família de Deus que nunca pode nem deve deixar a sós ou na miséria seus próprios filhos. Tudo isso forma o grande mosaico da religiosidade popular que é o precioso tesouro da Igreja Católica na América Latina, e que ela deve proteger, promover e, no que for necessário, também purificar.

Considerações a partir das palavras do Papa:
O Papa está certíssimo nas suas palavras. Seria conveniente recordar quanto segue:
1. Não se deve confundir a ação evangelizadora da Igreja com a ação colonizadora dos espanhóis e portugueses. É verdade que com o projeto de colonização veio também o Evangelho; mas também é verdade que a Igreja não impôs a fé aos indígenas e não os escravizou nem dizimou, como disse o Ditador da Venezuela. Os índios nunca foram obrigados pela violência a abraçar o Evangelho.
2. A motivação da ação da Igreja não era dominar, mas evangelizar e, muitas vezes, denunciou os maltratos aos índios. Basta recordar as missões e reduções, que procuravam salvaguardar a dignidade dos nativos. Tenham-se em mente o zelo de tantos missionários, movidos unicamente pelo amor a Jesus e o cuidado pelos indígenas...
3. Também não se deve levar muito a sério o grito de que o Evangelho destruiu a cultura indígena. Não há - adverte o Papa - cultura pura e imutável. As culturas estão sempre interagindo e modificando-se. Já entre os próprios índios era assim: tribo interagia com tribo, tribo dominava tribo... Na América pré-colombiana não havia o céu na terra: havia império oprimindo império, havia sacrifícios humanos, havia guerra e depredação da natureza. Basta de uma idealização ideologizada! Cultura é interação, mudança, desenvolvimento, tensão... Na Europa, por exemplo: que é a cultura francesa? A mistura da cultura celta, influenciada pela romana, transformada pela franca e burilada pelo cristianismo... Atualmente a cultura francesa continua em mutação, agora pelas ondas de imigrantes africanos e pela globalização... Isto vale para todos os povos em todos os tempos... É uma fantasia ingênua pensar que uma cultura seja imutável e inatingível.
4. Há mais: produto do homem ferido pelo pecado, a cultura tem marcas de pecado e o Evangelho as purifica. Por um lado, a cultura enriquece as expressões do cristianismo; por outro, é por ele purificada.
5. O cristianismo é um bem inestimável, pois traz a Salvação em Cristo, único Salvador. O próprio Cristo Senhor nos mandou levar o Evangelho a todos os povos. Na verdade, muitos cristãos já não crêem que Cristo é o Salvador e o Caminho. Prefeririam calar o nome de Jesus e reduzir o cristianismo a um grande programa filantrópico politicamente correto. A estes, Bento XVI não cede um milímetro. Será sempre uma tristeza vê presidentes de países latino-americanos fazendo pajelança, voltando a uma etapa pré-cristã! Há modos muito cristãos de exprimir a cultura indígena, a começar pelo rosto da Senhora de Guadalupe!
6. É uma bobagem muito grande querer exigir de pessoas que viveram há quinhentos anos atrás sensibilidades próprias da nossa época. É tal bobagem sem medida que nos privou de comemorar com alegrai os quinhentos anos do Descobrimento do Brasil. Resultado: enquanto a Austrália comemorou com júbilo seus 500 anos, nós tivemos de assistir um interminável desfile de protestos de uma esquerda delirante, um eterno e sem cabimento mea culpa... O Brasil é assim: um País mal resolvido, eternamente culpando-se a si mesmo... bobagem pura. Uma saudável análise crítica da história é desejável e justa; uma visão motivada pela ideologia do politicamente correto é um verdadeiro porre! (DOM HENRIQUE SOARES)

Incômodas realidades



O Senhor guia a Igreja, o Senhor está presente nela. Seu Espírito vivifica, suscita, orienta, sustenta... Não nos pede licença, não nos consulta: é soberano! Eleva, rebaixa, exalta, humilha... tudo para nos conduzir a Cristo, tudo para o bem da Igreja, tudo para que o mundo reconheça em Jesus o único Salvador, enviado pelo Pai para toda a humanidade.
Afirmo isto pensando na vida religiosa. Ela é uma realidade carismática presente na Igreja: não foi instituída diretamente por Cristo, mas é fruto da ação do seu Espírito Santo, como sinal do Reino de Deus e das exigências para quem deseja seguir o Cristo Jesus. Foi assim que nasceu aquele modo livre, radical, estranho e aparentemente louco de seguir a Cristo: homens e mulheres que deixavam tudo por causa do Senhor e iam viver no deserto uma vida de oração, penitência, constante meditação da Palavra de Deus e serviço aos pobres. Eram loucos, eram incompreensíveis para o mundo... É isto a vida religiosa, nem mais nem menos! E quando deixa de ser isso, perde o sentido, torna-se insossa e definha!
No decorrer dos tempos, as formas de vida religiosa foram mudando, evoluindo: primeiro, monges solitários no deserto; depois, as grandes abadias medievais, com 300, 500 monges, dedicados à oração, ao canto dos salmos, ao trabalho no campo e à vida intelectual; mais adiante, os loucos mendicantes – franciscanos, dominicanos e carmelitas -, que tudo deixavam e andavam pelas ruas das cidades européias, pregando e esmolando por amor de Cristo. Viviam em comunidade, na pobreza, castidade e obediência. Na Idade Moderna surgiram os jesuítas, práticos e eficientes, parecendo um exército de Cristo e do Papa, pronto para a batalha. Depois surgiu uma constelação de congregações com um carisma particular. Era uma novidade: uma vida religiosa com o objetivo não somente de viver simplesmente o Evangelho, mas destinada também a um trabalho (carisma) específico: escolas, hospitais, missões, cuidado dos pobres, trabalho paroquial, etc...
O importante era que em toda essa evolução – das origens a hoje – houve sempre algumas características que marcavam a saúde, o vigor e a fidelidade desse modo de viver: 1) a “separação” da família e do modo de viver do mundo para viver “de modo realmente diferente” numa vida de comunidade fraterna por causa de Jesus Cristo; 2) uma intensa vida de piedade e oração, penitência e sobriedade; 3) a clara vivência dos votos de pobreza material, castidade efetiva e obediência muito concreta e custosa; 4) a ruptura com os costumes do mundo (mesmo aqueles costumes honestos e legítimos), expresso no hábito religioso, que identificava e deixava claro para o religioso e para os outros a sua consagração e expresso também no modo de viver simples, recolhido e piedoso de quem abraçava essa vida...
É esta vida religiosa que está em crise. Na verdade, sempre estará em crise, pois ser religioso é ser livre, pobre, simples, radical, apartado do mundo... e há sempre uma tendência de acomodamento, de que, pouco a pouco, as estruturas que os próprios religiosos vão criando com o correr do tempo, sufoque a simplicidade, a fraternidade originais e vá apagando o Espírito com a praga do comodismo, da frieza e da secularização... No entanto, sobretudo depois do Vaticano II, com o pretexto de renovação, adaptação aos tempos modernos e de inserção no mundo, a vida religiosa entrou num profundo processo de esfriamento. Não sempre, mas muitíssimas vezes, os religiosos parecem aqueles que deixaram tudo para não deixarem nada: vivem como todo mundo, vestem-se como todo mundo, falam e agem como todo mundo. Os sinais do sagrado, do diferente, da radicalidade, da loucura e incongruência por amor de Cristo, desapareceram. Hoje, os religiosos escrevem muito, sustentam grandes organizações, estudam muito, falam muito, defendem belas teorias de amor e justiça, mas aquele fervor simples e ingênuo que encantava e falava do Reino, na maioria dos casos desapareceu. E, sejamos sinceros: muitíssimas vezes, este tipo de vida religiosa já não atrai, não encanta, porque não convida a subir às alturas da adesão a Cristo, do amor e fidelidade à Igreja, da santidade de vida.
Mas, nossas infidelidades não conseguem bloquear a ação do Espírito. O Senhor quer e manterá sempre a vida religiosa na Igreja. Quando velhos modos de vivê-la já não são um testemunho que encanta, intriga e incomoda, o Espírito que sopra onde quer suscita novos modos: intrigantes, incômodos, loucos, encantadores e comoventes... Digo isto porque hoje está surgindo um novo modo de viver o carisma religioso: as comunidades de vida e de aliança! Muitos dirão: que loucura, que bando de radicais, fanáticos e beatos desequilibrados. O mesmo que disseram dos primeiros monges, de Francisco, de Clara, de Teresa de Calcutá e da maioria dos fundadores das atuais grandes ordens e congregações! É comovente ver uma multidão de rapazes e moças, homens e mulheres, sem uma estrutura muito definida, sem muito estudo, na espontaneidade de quem sabe que o Evangelho e a Igreja são para todo aquele que deseja seguir a Cristo: vivem em comum, têm uma vida de pobreza verdadeira, radical, efetiva, amam a Cristo e procuram ser fiéis è Igreja e ao Papa, rezam muito e intensamente, demonstram profunda devoção e piedade , servem aos pobres de modo comovente e muito concreto e não têm medo nem vergonha de demonstrar que são consagrados, são de Deus, não são do “mundo”: usam uma cruz, uma roupa diversa, um hábito.... Essa gente incomoda, intriga, dá trabalho, questiona com a vida e o modo de ser, sem falar nada, sem julgar ninguém, sem protestar nem acusar!
Bendito Espírito de Deus! Nem liga para os nossos esquemas, nem dá bola para os nossos medos, nem toma conhecimento da nossa frieza e falta de entusiasmo! Suscita novidade do jeito que bem quer e entende! Dirão muitos – sobretudo religiosos das congregações já estabelecidas e, muitas vezes, secularizadas e acomodadas: “Esses aí são gente desequilibrada e piegas, alienada e ignorante!” Cuidado! Não pequemos contra o Espírito Santo! Não queiramos sufocar a ação que Deus suscita. Certamente, que nessas comunidades novas há exageros, unilateralidades, etc. Mas, cabe à Igreja orientar, não sufocar; guiar, não desprezar; aproximar-se como mãe terna, não se afastar como estranha. Conheço histórias comoventes dessas comunidades e de pessoas que nelas vivem. Pessoalmente, emociono-me e recordo dos fundadores do passado e dou graças a Deus, que faz com que a loucura do Evangelho e a radicalidade despretenciosa e simples do Cristo esteja presente na sua Igreja hoje como no passado. A Igreja não é nossa, não é dos leigos, não é da hierarquia – a Igreja é de Cristo e somente ele é seu Senhor, que a suscita e orienta pelo Espírito! Aprendamos a ouvir com docilidade o que o Espírito está dizendo. Às vezes, aqueles que mais falam em “discernir os sinais dos tempos” e “ser dóceis ao Espírito”, os que mais falam em “voltar às fontes”, são os que mais se fecham em seus esquemas ideologizados e se negam a admitir as loucas surpresas de Deus. Quem dera que esses jovens sem juízo que desejam simplesmente viver Jesus e anunciá-lo com a vida e a Palavra – Jesus da Igreja católica, Jesus concreto e vivo, Jesus que abraça os pobres e drogados! -, esse bando de loucos, nos incomodem sempre – sobretudo os religiosos que se encontrarem secularizados, acomodados, aburguesados – e nos recordem a simplicidade e radicalidade do Reino e nos faça sentir saudades do céu!
A vida religiosa é um dom precioso demais para se perder! Que ela esteja sempre presente no coração da Igreja, dando trabalho, surgindo de mil formas... mas mostrando sempre a santidade e a radicalidade, a felicidade e a plenitude do bem supremo que é conhecer e viver Jesus! Amo, respeito e valorizo profundamente o inestimável dom do carisma religioso na Igreja! Por isso, alegro-me com essas novas comunidades e espero que elas incomodem bem muito as congregações, para que também estas reencontrem seu caminho, se renovem e se encham de novo vigor. A Igreja e o mundo precisam de religiosos bem religiosos! (Dom Henrique Soares da Costa)

Uma sociedade que mascara a morte


O nosso mundo ocidental, superficial como é, foge da idéia da morte e, por outro lado, exalta o sexo. Sexualidade e morte (eros e thánatos) têm, para o homem, uma misteriosa relação. Há algum tempo atrás, o homem tinha plena coragem de encarar a morte (morria-se em casa, cercado dos filhos, netos, bisnetos) e revestia de pudor as realidades ligadas à sexualidade (não por medo ou vergonha, mas por consciência de algo misterioso, belo e grande demais). Hoje, é o contrário: o pudor é a respeito da morte; evita-se pensar nela, falar dela, admiti-la. Quem tem câncer, tem “CA”, nos hospitais, a velha e boa morte é mascarada com a palavra “óbito”; os cemitérios viraram “campos santos”, com cantinas e tudo quanto é disfarce para não parecer o que são... Eis, a propósito, algumas reflexões do Fr. Jean-Marie Tillard, um grande teólogo dominicano canadense, morto de câncer há seis anos:

“Parece que o princípio que explica a liberação sexual e conjuntamente a remoção da morte seja uma ilusão ingênua, superficial e... idiotamente feliz: o dever moral e a obrigação social de contribuir para a felicidade coletiva... dando-se a impressão de estar sempre felizes, mesmo se se toca o fundo da desolação (Observação minha: Pensem-se nos comerciais da TV: o pessoal sempre está sorrindo, sempre é forte, belo, sarado... Um mundo sem dor, sem problemas, sem a morte). Felicidade através de uma mentira a respeito da verdade da condição humana: é isto que o Evangelho contesta! Por isso, quanto mais refletimos sobre este ponto mais nos parece que o ocultamento da morte (enquanto nunca se chegou a matar tanto, não somente nas contínuas guerras, mas também antes mesmo do nascimento, pelo aborto) e o seu contraponto, o exibicionismo das realidades ligadas ao sexo, levado ao extremo (enquanto do ponto de vista psicológico nunca se teve tantos desiludidos), sejam o sinal de uma miséria do nosso mundo e da sua culpa consumada contra a verdade do homem.”
“No passado, somente os estúpidos sorriam do velho provérbio: ‘é na morte que o homem chega à sua realização’. Porque se percebia que havia uma relação essencial entre a idéia que alguém tinha da morte e a idéia que se tinha do homem. O homem da grande tradição cristã fazia questão de participar da própria morte - e não simplesmente suportá-la, - porque sabia que a morte é o momento único no qual a personalidade recebe a sua marca definitiva...”
“O homem terá sido senhor da sua vida somente na medida em que fez própria a sua morte. E não como uma conclusão inevitável, mas como um fim (no sentido filosófico de finalidade) e como um final (no sentido fisiológico de término). Eliminar da consciência dos homens a própria idéia da morte é, portanto, atentar contra a grandeza do homem...” (Do livro La morte: enigma o mistero?).

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Dificuldades da vida cristã - O que fazer diante dos ataques dos outros e diante da constatação da nossa própria fraqueza?



Escrevo este texto em resposta à pergunta que uma cara amiga me fez recentemente e que basicamente se resumia a duas partes: 1- por que, se nos decidimos por Cristo de fato, tantas são as pessoas que ficam contra nós, nos fazendo contínua oposição, e somos expostos à perda de "tudo"? 2- Isto significa que, para ser um bom cristão, é preciso ser masoquista, ser de ferro ou ser divino?

***

Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir.
Por tua causa e por teu nome estão todos contra mim (Jer 20,7)

Para que vivemos? Vivemos para nos santificarmos, dirá Sto Afonso. Este é o grande motivo pelo qual Deus nos mantém nesta vida, o que significa que tudo o mais, comparado a isto, é bastante secundário.

A santidade acontece quando há união de vontades, isto é, quando a vontade de Deus se torna a minha, de modo que eu queira o que Deus quer e deteste o que Deus detesta. No entanto, é preciso entender que há uma desordem em nós, fruto do pecado. Este é um fator importantíssimo para entendermos as dificuldades práticas que enfrentamos no decorrer da vida e na luta por sermos pessoas boas.

Esta desordem na alma nos inclina sempre ao egoísmo, explícito ou disfarçado. Isto se torna como que uma tendência natural nossa. Acontece que o egoísmo é o que há de mais oposto à santidade. Logo, se somos egoístas, estamos frustrando a única razão pela qual vivemos. E, no entanto, é um fato que somos fortemente inclinados ao egoísmo. Como resolver este problema?

Negando-nos a nós mesmos. "Quem quiser me seguir - se quiser - negue-se a si mesmo""Quem não faz pouco caso da própria vida, não é digno de mim". São expressões e mandamentos difíceis, mas profundamente curativos e necessários a uma alma que pretenda adquirir saúde. A "vida em plenitude" que Jesus promete não se alcança de qualquer modo. O nosso egoísmo sufoca a nossa alma e não lhe permite fruir da autêntica alegria. Portanto, é preciso dilatá-la - à alma -, arrancando as raízes do egoísmo nela. De início, isto não é confortável; é dolorido, é enfadonho e cansativo, do mesmo modo que é dolorido, enfadonho e cansativo que um doente tenha de fazer exercícios físicos. E, no entanto, é necessário. Submeter-se a esta violência contra si mesmo é o caminho do despertar. "O reino dos céus pertence aos violentos". 

Há que se ter, portanto, um desprendimento de si mesmo, e entender bem todo este contexto: o centro de tudo deve ser Deus, e todo o resto - as amizades, os compromissos, as brincadeiras, os lazeres - deve estar em harmonia com Deus. A aquisição, porém, de uma vontade aguerrida, de um olhar claro sobre o que se deva fazer e de uma compreensão profunda da própria alma, é algo um tanto difícil - na verdade impossível - de se alcançar sozinho. É por isso que precisamos de auxílio. Deus muitas vezes nos ajuda, seja incidindo diretamente sobre nós os seus dons, seja nos tocando indiretamente, através de outras pessoas. Neste último caso, haverá quem nos console e dê forças; mas haverá, também, quem nos importune e incomode, ajudando-nos, dependendo do modo como lidamos com isto, a acelerar o processo de extirpação do nosso egoísmo.

Já dizia um santo: "existimos para amar e tudo quanto existe, existe para tornar o amor possível". S. João da Cruz diz a mesma coisa: "estás aqui para te santificares. Considera que todos estes que te importunam são ajudadores que Deus enviou para que te libertes de ti mesmo".

Além disto, há os que efetivamente nos querem derrubar e estranham quando o nosso discurso alcança o grau de uma firmeza irredutível; sentem-se sutilmente atacados, denunciados na sua tibieza e isto às vezes se transveste, neles, de sobriedade, de realismo e tolerância. Chamam-nos logo de arrogantes e duvidam das nossas intenções. Muitas vezes são sujeitos pretensiosos, afetados de falsa humildade, que entendem ser a virtude um certo tipo de moleza e bom mocismo - uma coisa cosmética que a ninguém deve incomodar - e que fazem as vezes do próprio demônio. Mas, ainda que nos queiram e possam, objetivamente, prejudicar, se estivermos com as devidas disposições de alma, serão, antes, preciosas ajudas.

S. Francisco de Assis, quando atacado por demônios, gritava-lhes o seguinte: "isso mesmo! Meu maior inimigo sou eu mesmo. Se vocês surram este meu inimigo, só estão me fazendo um grande bem."

S. João da Cruz, por sua vez, após passar extremos sofrimentos, aos quais se referia pelo termo "noite", poetizou:

"Oh noite mais amável que a alvorada; oh noite que juntaste Amado com amada, amada já no Amado transformada".

E aí, eu retomo a pergunta: é preciso, então, ser de ferro, masoquista ou ser divino demais?

É preciso, primeiramente, entender que tudo isso é muito real:
a) o nosso orgulho, que precisa ser extirpado da alma e cuja remoção só se consegue com luta;
b) a necessidade de alcançarmos um conhecimento agudo da nossa própria fraqueza, o que nos motivará a pedir com sinceridade o auxílio divino.

Entender ainda que, se a nossa natureza reclama e o nosso ânimo se abate, talvez isto se deva também por estarmos viciados nalguma suposição equivocada, ou presos por caprichos pessoais. A soberba tenta fazer com que o mundo se adéque aos nossos gostos subjetivos. Se, porém, isto não se dá - e não pode se dar - a alma se abate. Daí o grande e salutar segredo do abandono em Deus; da espiritualidade da Pequena Via; do amor aos desígnios de Cristo, sejam eles quais forem. Este tipo de amor, que se entrega, torna-se amor adorante, oblativo, pois nele há uma atitude de sacrifício, de auto-desapego, e de Fé real na bondade divina.

Deus sabe da nossa dor e está disposto a nos ajudar se a Ele nos achegarmos. Para suprir essa nossa necessidade, fez-Se acessível, seja pelos sacramentos, seja pela oração individual. Mas é preciso entender que o Seu amor por nós não pode privá-Lo de trabalhar em nosso favor e isto, muitas vezes, implicará em espremer a ferida purulenta da alma, ainda que doa, para que dela se desprenda a sujeira que a infecta.

Além de tudo isto, Deus às vezes quer ver a nossa fidelidade. Amá-Lo quando todos nos aplaudem seria fácil. Porém, o verdadeiro amor trará sempre a marca da Cruz, pois é este um sinal muito amado por Jesus e com o qual ele marca tudo quanto seja verdadeiramente Seu. Mas é a Cruz a nossa esperança. É como diz a Igreja: Ave Crux Spes Unica.

E quanto aos que se nos opõem? O que fazer a respeito?

Primeiramente, não deixar de rezar por eles e pedir a Deus a graça de amá-los. Depois, não pensar que amá-los significa dar-lhes crédito ou levá-los a sério; às vezes, o correto será dizer-lhes umas boas verdades, ou ignorá-los ou até dar-lhes uma banana. Frequentemente, esses sujeitos são só pessoas infladas de falsa virtude. Penso que o que se deve fazer é não se incomodar com eles, nem ficar a considerá-los interiormente. Se for possível ajudá-los, ajudemo-los. Se não, recomendemo-los a Deus. Mas, no geral, eles podem contribuir para que nos desapeguemos ainda mais de nós mesmos, e isto é o segredo da liberdade.

Já dizia S. Francisco de Assis que a verdadeira alegria existe quando, ainda que apanhando e recebendo ofensas pessoais, sequer movemos interiormente qualquer pensamento raivoso em relação ao sujeito que nos insultou. Isto, claro, é uma realidade muita alta; mas a verdadeira alegria não é, mesmo, qualquer coisa. Não à toa, Jesus fala que devemos nascer de novo. Isto significa, contudo, que devemos trabalhar para que o que antes nos incomodava - porque feria o nosso egoísmo - chegue, então, a não causar sequer qualquer repercussão interior. É o que os espirituais chamam de "santa indiferença", e os orientais chamavam de "apathia". E essa graça só se consegue com muita disciplina e a ajuda de Deus.

Respondendo, então, diretamente às perguntas:

É preciso ser masoquista? Não. Nem devemos sê-lo.

É preciso ser de ferro? Não; e é preciso saber que não somos. Muitas vezes, Jesus permite que caiamos repetidas vezes para que possamos desenvolver a certeza da nossa própria fraqueza, sem a qual Ele mal encontra espaço para fazer qualquer coisa em nós.

É preciso ser divino? Sim, e este é o ponto! Todo o cristianismo é a imitação de um Deus humanado. Se imitamos a um Deus, precisamos agir de modo divino. Porém, isto não depende somente das nossas forças. É algo que Deus realiza em nós, se nos abandonamos. E para alcançarmos esta realidade, cumpre começarmos e, paulatinamente, irmos destruindo esse falso eu ao qual nos habituamos e nos apegamos, mas que não conhece nada do que seja a vida verdadeira. É preciso que nos submetamos, gradativamente, a uma espécie de morte para que, mais e mais, seja o Cristo a viver em nós. E, contudo, isto é uma aventura saborosa; deliciosa; de uma arrebatadora felicidade.

O cristão deve ter uma visão sobrenatural da vida, do mundo, das amizades, de tudo. Deve ter cuidado para não naturalizar as coisas; essa imanência moderna é a causa de todo mal no mundo e o motivo de haverem tantos "cegos guiando cegos", pois faz parte da cegueira espiritual que o cego não se saiba cego e que reduza toda a realidade ao estreito corredor do seu pequeno mundinho.

O cristão deve ter ainda uma disposição aguerrida, dada à luta, entendendo que o que se está buscando não visa, primeiramente, ao conforto da sensibilidade nem à satisfação dos caprichos do ego. Muito pelo contrário, é deste ego que temos de nos livrar. Devemos compreender que o que estamos a seguir e a defender é algo que ultrapassa infinitamente e abismalmente o pequeno pontinho inútil que são os nossos desejos egoístas. É  só quando entendemos esta verdade - quando a entendemos de verdade - que podemos alcançar a liberdade necessária para abrir mão dos nossos caprichos - bem como dos nossos medos -, e elevar os nossos olhos à imensidão infinita do céu; é a livre, suave e deleitosa contemplação desinteressada da Beleza.

Para chegarmos aí, sofreremos. Teremos a cruz como uma companheira diária. Choraremos, também. Seremos incompreendidos. Amigos queridos e familiares nos acusarão de tudo quanto seja. Mas isso Jesus mesmo já dizia: "Por minha causa, em uma mesma casa ficarão três contra dois e dois contra três". No entanto, é pela nossa fidelidade - conquistada com sangue, suor e lágrimas, mas também uma alegria descomunal que, vez ou outra, Ele nos permite vislumbrar - que podemos ter a legítima esperança de que o amor destilado pelo nosso coração alcance estes mesmos que, hoje, nos lançam pedras.

O que digo, enfim, é: coragem! Se poucos levam a sério o cristianismo, seja destes poucos. Também a Elias, o único que estava cuidadoso das coisas de Deus e que se dizia "devorado de amor pelo Senhor dos Exércitos", tentaram ferir. É assim mesmo. 

Já dizia S. João da Cruz:

"Sofrer pelo Amado é melhor do que fazer milagres"
Já dizia Sta Teresa D'Avila:

"As prisões, as ignomínias e afrontas por meu Cristo e por minha religião, são regalos e mercês para mim... cruz busquemos, cruz desejemos, trabalhos abracemos!"

"Não haja, entre nós, covarde! Aventuremos a vida: Não há quem melhor a guarde que o que a deu por já perdida."

"O amor quando já crescido não pode ocioso ficar, nem o forte sem lutar por amor de seu Querido"

Já dizia Sta Teresinha de Lisieux:

"Morrerei no campo de batalhas, de armas na mão".

Já dizia S. Paulo Apóstolo:

"Deus me livre de gloriar-me em outra coisa a não ser na Cruz de Nosso Senhor"

Força, aí! Embora tudo isso pareça meio pesado, a porta estreita tem a propriedade de nos livrar de todo peso inútil. O que nos cansa não é a doutrina de Nosso Senhor, mas a soberba que trazemos conosco. Se dela nos livrarmos, descansamos e tudo fica fácil. Aquele que se dispõe a viver a autêntica vida cristã, esvaziado de toda inutilidade, haverá de fazer a experiência de como o jugo do Senhor é leve e de como é suave o Seu peso.

Abraço.

Fábio Graa.

"Por que é mais forte quem sabe mentir..." Não é.. só parece...



Não precisamos ser falsos com nós mesmos. Aliás, não devemos. Se é a verdade que liberta, importa abandonar a mentira, ainda quando, à primeira vista, ela indique uma espécie de proteção. Acontece que enquanto alguém se protege freneticamente, isto também o impede de se lançar de verdade em qualquer coisa. Um covarde passa a vida paralisado. É por isso que Jesus diz: "quem perder a sua vida, vai ganhá-la". Dar o passo! Há tanto egoísmo envolvido nessa covardia - e já tratei bastante disso - que não o quero pormenorizar aqui.

Por vezes, queremos expectadores de cada ato nosso, construindo um tipo de draminha da nossa existência, onde a gente possa garantir que ganhará alguns aplausos. Isso parece nos dar uma motivação extra para fazer as coisas. E tão logo encontramos a platéia, no meio dos nossos amigos, familiares ou quem seja, iniciamos também os showzinhos, os exageros, as demonstrações de força. Mas, sobretudo, é importante fazer barulho. Não se pode correr o risco de não sermos notados! Cada boa decisão, cada virtude posta em prática, tem de causar uma admiração de alguém. E nesse processo, choramos e rimos e fazemos caras de herói e trejeitos de artista.

Só que isso tudo não passa de uma palhaçada! Enquanto vamos crentes de causar admiração, a única resposta que causamos é um riso de diversão pela nossa trágica falta de senso. Se um sujeito passa a vida assim, talvez adquira o conforto de se imaginar uma espécime rara dentre os humanos, muito embora tenha vivido, na verdade, como um bobo. Enquanto se pensava tão sincero, suas intenções estavam atentas nas reações que causava nos outros, ou nas recompensas que podia adquirir pelo seu teatro. E inverte tudo: dificulta o que é fácil, e facilita o que é difícil, mas isto só aparentemente. Se lhes é pedido para erguer uma formiga, farão todo tipo de caretas no processo de levantamento e se certificarão de cair pelo menos umas três vezes a fim de intensificar o ato heróico final do soerguimento histórico. Se lhes pedem para correr a São Silvestre, a vaidade não lhe permitirá desistir no meio do processo e, embora cansado, quase tendo um ataque cardíaco, passará em frente à câmera com o rosto tranquilíssimo, ostentando um preparo que ele não tem. "Vaidade das vaidades", diz o Eclesiastes. E, no final, o sujeito estará seguro de que fez algo grandioso. Realmente: uma imbecilidade monumental.

É por isso que eu gosto tanto dos santos. Eles foram totalmente o oposto disso. Quem quer que conheça um santo a partir dele mesmo ou mesmo de outro, mas de uma forma profunda, verá que estas coisas vão sendo gradativamente abandonadas por eles. S. Josemaria dizia que os biógrafos dos santos são seus traidores, pois os santos nunca pretenderam ser muito conhecidos. Lembro-me de S. Pio de Pietrelcina que, quando recebera os estigmas, chorava copiosamente e dizia: "quero morrer com dor, sim! Mas anônimo..." Lembro-me de S. João da Cruz que pedia diariamente para morrer desprezado e, no final da vida, tendo de escolher entre dois mosteiros a ficar, escolheu o que por certo o maltratariam ao invés do outro em que seria aclamado. Lembro-me de S. Francisco de Assis e seus retiros prolongados no Alverne onde, sem expectadores, ele se dava aos maiores rigores. E tantos e tantos outros santos que se tornavam amigos de Cristo justamente porque abandonavam esta busca frenética e neurótica por vaidades e por reconhecimentos. A "Perfeita Alegria" de Francisco é justamente isto: ser desprezado, ser vilipendiado, ser maltratado e ver que isso não causa nenhuma repercussão interior, nenhuma revolta, nenhum coitadismo, nem nenhum senso de heroísmo, nenhuma encenação, nenhuma estratégia artística.

Que Nosso Senhor nos liberte da nossa pequenez disfarçada de grandeza. De um monte de fezes pode-se imitar uma montanha. Que Deus nos livre da encenação barata que, como se não bastasse ser perda de tempo,  nos impede de ser quem somos e nos ameaça de perder a eternidade.

Que a Virgem nos conduza.

O que a mística não É...




Se, hoje em dia, em pleno século XXI, era da ciência e herdeira dos ideais iluministas, alguém ainda assim quiser ser um espiritual, como é que faz? É só querer? É nada... Queira o quanto possa, a coisa não vai só assim.. "Ah, mas eu escuto o Pe. Fábio de Melo e leio os livros do Augusto Cury.. não é suficiente?" Quê?! É mais fácil se tornar um espiritual assistindo anime japonês do que por aí...

Interessante que, hoje em dia, esse é o tipo de afirmação que causa revolta nalguns pretensos elevados. Esse é o tempo em que nada pode ser dito com clareza; tudo tem de fazer parte de uma sopa de ingredientes indefinidos.. é suficiente que cheire bem. A sensibilidade foi elevada ao critério de verdade. No mundo moderno, há um grande repúdio pela clareza. Uma coisa clara é uma coisa definida, isto é, é algo que é de um modo e não é de outro. Portanto, não convém fazer afirmações claras, porque isto fere susceptibilidades alheias. Ser bom, hoje, é respeitar todas as idéias, correntes, ideologias, etc, etc. Quem pensa assim, vive numa espécie de contínua ebriedade; ela não tem noção clara de nada; apenas tem idéias nubladas, fragmentadas e erige sempre como critério a própria simpatia. Foi simpático a uma idéia? A idéia é boa. A idéia não agradou? É ruim. São incapazes de fazer a pergunta: mas porque tal coisa me causa simpatia ou antipatia? E o bêbado vai caminhando, escutando Pe. Fábio de Melo e lendo Augusto Cury, projetando um deus da sua simpatia, dormindo no conforto das próprias suposições e vendo com maus olhos qualquer um que ouse definir bem as coisas, separando a luz das trevas. 

Nós vivemos num tempo humanista. Os maiores valores são aqueles que promovem o bem estar. Estar em paz com Deus virou sinônimo de estar tranquilo e agradável. Misteriosamente, se crê que Deus obedece real e servilmente os movimentos inconstantes da alma. Oh que sacro e inconcusso vínculo este da alma com Deus que a permite reconhecer imediatamente em si a atual disposição divina para consigo.. E como o sabe? O sabe pela sensibilidade.. está a se sentir bem, foi à Missa e se sentiu tocada... que maior garantia de que Deus a observa do alto com um sorriso largo no rosto e quase que se segura para não dizer-lhe: "eis o meu filho bem amado..."?

Religião serve para quê? "Ora, é para promover o bem estar!", dizem.. C.S. Lewis diz que uma garrafa de cachaça cumpriria melhor esse papel. Não à toa ela tem se convertido num novo ídolo. Mas, se é o bem estar o valor supremo, então vamos fazer uma religião à nossa imagem e semelhança, à altura do homem; importa que seja criação nossa, um novo bezerro de ouro, e o chamaremos de Deus, ou de Jesus, ou do que quer que seja. Apenas não aceitaremos que alguém de fora nos ensine; não aceitaremos aprender; não aceitaremos que as coisas já sejam de antemão... Não aceitaremos que alguma pretensa deidade venha nos dizer "Eu sou", porque, na verdade, "nós é que somos". Partimos do pressuposto de que, desde sempre, nós conhecemos a natureza deste negócio e ele é assim como dizemos que é. Se alguém não se sente bem, a gente adapta.. Toca aquela música lá.. põe essa ênfase aqui.. diz aquela frasesinha tola e clichê que provoca arrepios.. diz que ele vai ser acolhido no céu de todo jeito... Penitência? Mortificação? Ora, deixemos de medievalidades.. Naqueles tempos obscuros, o povo aceitava uma religião pretensamente ensinada pelo próprio Deus. Hoje, em pleno século XXI, a gente sabe que não é bem assim. Tudo é simbólico e, em última instância, somos nós que interpretamos os símbolos. 

Já não se observa mais que a verdade existe e é objetiva. Não se observa mais que o bem existe e é objetivo. Tudo pode ser distorcido, puxado de um lado, estendido de outro, segundo a divindade do nosso próprio conforto. Um Deus numa cruz? Que coisa medonha! Tira daí.. Põe a cruz vazia, ou então, põe Ele sem a cruz... Cruz pra quê? Importa que a gente se ame...

E o amor fica raso... e ninguém sabe exatamente o que é o amor.. E as pessoas acreditam que amar é dissimular, ter respeitos humanos, onde a regra suprema é não incomodar o outro. Tornam-se cúmplices silenciosos de crimes e pecados mútuos, e se sorriem, e se vão empurrando e crendo que, pelo fato de não haver atrito, estão a atingir o sumo grau da caridade.

Ai, Deus.. Quem ensinou o homem a ser tão tolo? Nada disso é mística. Nada disso é caridade. Nada disso é espiritualidade. Nada disso é cristianismo... Não vai nem perto. Não avista nem de longe.

Em qualquer lugar em que, na terra, houver alguém confortável, pode-se acreditar que o cristianismo ali não foi aceito. Como dizia Gustavo Corção, "é terrível a seriedade do cristianismo". 

O humanismo é tolo, é fragmentário, é falso, é satânico: "sereis como deuses". O homem só encontra a sua dignidade quando se abre à severa objetividade daquele Outro. Enquanto não O aceita tal qual é, prosseguirá na sua brincadeira medíocre de se auto-projetar, só mais um jeito confortável de acreditar ser, ele mesmo, seu próprio deus. A serpente do Éden é a verdadeira rainha deste mundo... e um dos seus maiores divertimentos é compor discursos pseudo-católicos. Mas como dizia Nosso Senhor: "quem tiver olhos, que veja!", pois eu não vos fiz cegos. 

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Fé sem razão vira superstição


Li recentemente uma frase que merece ser refletida: “Fé sem razão vira superstição“.
De fato, essa frase revela uma grande verdade. Uma fé que não está solidamente edificada sobre a razão vira superstição. A fé tem que ser alimentada da razão.
Se rezamos, precisamos entender para quem rezamos, o que rezamos e porque rezamos. Se eu digo que creio em Deus, devo saber quem é esse Deus que creio e quem sou eu diante desse Deus. Então precisamos alimentar nossa fé com a razão, pois se não ela vai virar uma simples superstição. Vou buscar a Deus como um mágico, um adivinho ou um curandeiro. Recebida a graça que Ele me dá, vou esquecê-Lo até o próximo momento em que eu precisar Dele.
No entanto, a razão precisa também da fé. Não adianta eu me tornar um “teólogo” sem fé. E isso temos exemplos dos mais variados, desde Leonardo Boff até alguns padres (digo da minha diocese de Guaxupé que se gaba de dar curso de teologia, mas uma teologia sem fé). Mas para alguém que busca a Deus através da teologia, faz-se necessária a fé e ela só pode estar presente numa pessoa humilde.
Bento XVI, em uma homilia sua, falou disso com toda propriedade. Ele fala sobre dois modos de usar a razão, uma sem fé e outra com humildade. Deixo você com as sábias palavras do Papa que merece ser lida e refletida:
“Queridos irmãos e irmãs! 
As palavras do Senhor, que há pouco ouvimos no trecho evangélico, são um desafio para nós teólogos, ou talvez para dizer melhor, um convite a um exame de consciência: o que é a teologia? O que somos nós, teólogos? Como fazer bem teologia? Ouvimos que o Senhor louva o Pai porque escondeu o grande mistério do Filho, o mistério trinitário, o mistério cristológico, diante dos sábios, dos doutos – eles não o conheceram – mas revelou-o aos pequeninos, aos népioi, àqueles que não são doutos, que não têm uma grande cultura. A eles foi revelado este grande mistério.
   Com estas palavras, o Senhor descreve simplesmente um facto da sua vida; um facto que começa já na época do seu nascimento, quando os Magos do Oriente perguntam aos competentes, aos escribas, aos exegetas, o lugar do nascimento do Salvador, do Rei de Israel. Os escribas sabem-no, porque são grandes especialistas; podem dizer imediatamente onde nasce o Messias: em Belém! Mas não se sentem convidados a ir: para eles é um conhecimento académico, que não diz respeito à sua vida; eles permanecem fora. Podem dar informações, mas a informação não se torna formação da própria vida.
Depois, durante toda a vida pública do Senhor, encontramos a mesma coisa. É inacessível para os sábios compreender que este homem não douto, galileu, possa ser realmente o Filho de Deus. Permanece-lhes inacessível o facto de que Deus, o grande, o único, o Deus do céu e da terra, possa estar presente neste homem. Sabem tudo, conhecem também Isaías 53, todas as grandes profecias, mas o mistério permanece escondido. Ao contrário, é revelado aos pequeninos, a começar por Nossa Senhora até aos pescadores do lago da Galileia. Eles conhecem, como também o capitão romano, aos pés da cruz, reconhece: Ele é o Filho de Deus.
Os acontecimentos essenciais da vida de Jesus não pertecem unicamente ao passado, mas estão presentes, de vários modos, em todas as gerações. E assim também na nossa época, nos últimos duzentos anos, observamos a mesma coisa. Existem grandes doutos, grandes especialistas, grandes teólogos, mestres da fé, que nos ensinaram muitas coisas. Penetraram nos pormenores da Sagrada Escritura, da história da salvação, mas não puderam ver o próprio mistério, o verdadeiro núcleo: que Jesus era realmente Filho de Deus, que Deus trinitário entra na nossa história, num determinado momento histórico, num homem como nós. O essencial permaneceu escondido! Poder-se-iam citar facilmente grandes nomes da história da teologia destes duzentos anos, dos quais aprendemos muito, mas o mistério não foi aberto aos olhos do seu coração.
 
Em contrapartida, no nosso tempo existem também os pequeninos que conheceram este mistério. Pensemos em Santa Bernadete Soubirous; em Santa Teresa de Lisieux, com a sua nova leitura da Bíblia “não científica”, mas que entra no coração da Sagrada Escritura; até aos santos e beatos da nossa época: Santa Josefina Bakhita, Beata Teresa de Calcutá, São Damião de Veuster. Poderíamos enumerar muitos deles!
 
No entanto, de tudo isto nasce a pergunta: por que é assim? É o cristianismo a religião dos néscios, das pessoas sem cultura, não formadas? Apaga-se a fé onde se desperta a razão? Como se explica isto? Talvez tenhamos que olhar mais uma vez para a história. Permanece verdadeiro o que Jesus disse, aquilo que se pode observar em todos os séculos. E todavia, existe uma “espécie” de pequeninos que são inclusive doutos. Aos pés da cruz encontra-se Nossa Senhora, a humilde serva de Deus, a grande mulher iluminada por Deus. E encontra-se também João, pescador do lago da Galileia, mas é aquele João que será justamente chamado pela Igreja “o teólogo”, porque realmente soube ver o mistério de Deus e anunciá-lo: com olhos de águia, entrou na luz inacessível do mistério divino. Assim, mesmo depois da sua ressurreição o Senhor, no caminho de Damasco, sensibiliza o coração de Saulo, um dos sábios que não vêem. Ele mesmo, na primeira Carta a Timóteo, define-se “ignorante” naquela época, apesar da sua ciência. Mas o Ressuscitado toca-o: ele torna-se cego e, ao mesmo tempo, realmente vidente, começa a ver. O grande douto torna-se um pequenino, e precisamente por isso vê a loucura de Deus que é sabedoria, sapiência maior do que todas as sabedorias humanas.
 
Poderíamos continuar a ler toda a história deste modo. Só mais uma observação. Estes doutos sábios, sofói esinetói, na primeira leitura, aparecem de outro modo. Aqui, sofia e sínesis são dádivas do Espírito Santo que pairam sobre o Messias, sobre Cristo. O que significa? Sobressai o facto de que existe um uso dúplice da razão e uma maneira dupla de ser sábio ou pequenino. Há um modo de utilizar a razão que é autónomo, que se põe acima de Deus, em toda a gama das ciências, a começar pelas naturais, onde é universalizado um método adequado para a pesquisa da matéria: Deus não faz parte deste método, portanto Deus não existe. E assim, finalmente, também na teologia: pesca-se nas águas da Sagrada Escritura com uma rede que permite capturar somente peixes de uma certa medida, e aquilo que vai além desta medida não entra na rede, e por conseguinte não pode existir. Assim o grande mistério de Jesus, do Filho que se fez homem, reduz-se a um Jesus histórico: uma figura trágica, um fastasma sem carne nem ossos, um homem que permaneceu no sepulcro, que se corrompeu e é realmente um morto. O método sabe “capturar” certos peixes, mas exclui o grande mistério, porque o homem se faz ele mesmo a medida: possui esta soberba, que é contemporaneamente uma grande loucura, porque torna absolutos certos métodos não adequados às grandes realidades; entra neste espírito académico que vimos nos escribas, os quais respondem aos Reis magos: não me diz respeito; permaneço fechado na minha existência, que não é tocada. É a especialização que vê todos os pormenores, mas já não vê a totalidade.
 
E existe o outro modo de utilizar a razão, de ser sábio, a do homem que reconhece quem ele mesmo é; reconhece a própria medida e a grandeza de Deus, abrindo-se na humildade à novidade do agir de Deus. Assim, precisamente aceitando a sua pequenez, fazendo-se pequenino como realmente é, chega à verdade. Desta maneira, também a razão pode expressar todas as suas possibilidades, não é anulada mas amplia-se, torna-se maior. Trata-se de outra sofia sínesis, que não exclui do mistério, mas é precisamente comunhão com o Senhor, em quem repousam a sapiência e a sabedoria, e a sua verdade.
 
Neste momento, queremos rezar ao Senhor a fim de que nos conceda a verdadeira humildade. Que nos conceda ser pequeninos, para sermos realmente sábios; nos ilumine, nos faça ver o seu mistério do júbilo do Espírito Santo, nos ajude a ser verdadeiros teólogos, que podem anunciar o seu mistério porque foram tocados na profundidade do seu coração, da sua existência. Amém.
Homilia do Papa Bento XVI na Santa Missa com os membros da Comissão Teológica Internacional – Capela Paulina Terça-feira, 1° de Dezembro de 2009