quarta-feira, 4 de março de 2015

Humildade: o que é?

Imaginemos uma bela catedral, cujos alicerces estão fundados em rocha sólida. No topo de sua cúpula, há uma pedra angular que sustenta toda a construção. Por um efeito extraordinário qualquer, com o passar do tempo, tanto a rocha que está sob os fundamentos quanto a pedra angular se transformam em dois lindos topázios… Tal é a humildade no conjunto das virtudes: ela é o fundamento e a pedra angular da vida espiritual. Ao contrário do que se poderia julgar, não é ela uma pedra bruta, mas sim o mais precioso esteio da santidade, “a melhor garantia da graça e das demais virtudes”, 1 a joia de grande valor com a qual se compra o Reino dos Céus!
Sim, pois, conforme ensina São Tiago em sua epístola, “Deus resiste aos soberbos e dá sua graça aos humildes” (Tg 4, 6). Uma vez que a graça é necessária para salvar-se, concluímos facilmente que a humildade é conditio sine qua non para obter a eterna bem-aventurança.
Mas, o que vem a ser propriamente a humildade? É a virtude que nos leva a reconhecer que a única coisa que possuímos são nossas faltas, e se algo de bom fizemos, foi por iniciativa e inspiração divina: “É Deus quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar” (Fl 2, 13). Ela “nos inclina a coibir o desordenado desejo da própria excelência, dando-nos o conhecimento acertado de nossa pequenez e miséria principalmente em relação a Deus”. 2
A humildade nada tem de hipocrisia. Ela é “luz, conhecimento, verdade; não fingimento nem negação das boas qualidades que se recebeu de Deus. Por isso dizia admiravelmente Santa Teresa que a humildade é andar na verdade”, 3 aponta o Pe. Royo Marin. Enfim, é a humildade como uma tocha acesa que incessantemente deita seus fulgores sobre as almas, como observa Afonso Maria de Ligório: “os orgulhosos [estão] às escuras, pois mal conhecem o seu nada; a humildade é a luz que dissipa essas horríveis trevas”. 4
Quem se humilhar será exaltado
No Evangelho, encontramos narrada a célebre parábola do fariseu e do publicano. Ambos sobem ao Templo para rezar. O fariseu, inflado de orgulho, aproxima-se do altar e começa a dizer: “Graças te dou, ó Deus, que não sou como os demais homens, ladrões, injustos, e adúlteros; nem como o publicano que está ali” (Lc 18, 11). O publicano, no entanto, permanecendo à distância, batia no peito, nem sequer ousava erguer os olhos aos céus, e depositava a esperança de seu coração em Deus. 5 Bem podemos imaginar que o fariseu, no fundo de sua consciência, injuriava o publicano. Este, porém, reconhecia suas faltas e certamente rezava por aqueles que o perseguiam…
O publicano não estava preocupado com o que diriam a seu respeito, muito pelo contrário: ocultamente batia no peito, pedindo perdão a Deus, consciente de que tinha andado mal. É esta uma das características da humildade, como afirma São Tomás: “A humildade reprime o apetite, para que ele não busque grandezas além da reta razão”. 6 E mais adiante: “É próprio, pois, da humildade, como norma e diretriz do apetite, conhecer as próprias deficiências”. 7
Nosso Senhor conclui a parábola dizendo que o publicano voltou para sua casa justificado. Ainda que aos olhos dos outros ele continuasse sendo um cobrador de impostos, ladrão e até mesmo corrupto, aos olhos de Deus estava livre de qualquer mancha. Quanto ao fariseu… “Pobre fariseu! Não se dava conta dos males que despencavam sobre ele, pelo fato de procurar a glória onde não existia”. 8
Assim, por mais pecador que alguém seja e que tudo pareça estar perdido, olhar para o Céu e reconhecer-se miserável é o grande passo que atrai o beneplácito de Deus, pois “o Senhor ama o seu povo, e dá aos humildes a honra da vitória” (Sl 149, 4).
1 ROYO MARÍN. Teología de la salvación. Op. cit. p. 115.
2 ROYO MARÍN, Antonio. Teologia de la perfección cristiana. 11. ed. Madrid, BAC, 2006, p. 612: “nos inclina a cohibir el desordenado apetito de la propia excelencia, dándonos el justo conocimiento de nuestra pequeñez y miseria principalmente con relación a Dios”. (Tradução da autora)
3 Ibid. p. 613: “La humildad es luz, conocimiento, verdad; no gazmoñería ni negación de las buenas cualidades que se hayan recibido de Dios. Por eso decía admirablemente Santa Teresa que la humildad es andar en verdad”. (Tradução da autora)
4 SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO. A selva. Porto: Fonseca, 1928, p. 91.
5 Cf. CLÁ DIAS. João Scognamiglio. O pedido de perdão deve ser nosso frontispício de todas as nossas orações. Homilia. São Paulo, 21 mar. 2009 (Arquivo IFTE).
6 SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. II-II, q. 161,a.1,ad 3.
7 Ibid. a. 2.
8 CLÁ DIAS. Quando é inútil rezar? In: O inédito sobre os Evangelhos. Op. cit. v. VI, p. 429.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Por causa do Reino dos Céus...

1Rs 3,5.7-12

Sl 118
Rm 8,28-30
Mt 13,44-52

Continuamos, neste hoje, a escutar Jesus falando-nos do Reino dos Céus. Saído do barco à beira-mar, chegado em casa, Ele nos conta ainda três parábolas: o Reino dos Céus é como um tesouro escondido num campo; um homem o encontra e, cheio de alegria, vende tudo e o adquire! O Reino dos Céus é como uma pérola de grande valor; o homem vende tudo e, fascinado por sua beleza, vende tudo e a adquire... Observem, irmãos, que Jesus nos quer fazer compreender que todo aquele encontra o Reino, sai de si, fascinado pelo Reino encontrado! Achar o Reino é achar o sentido da vida, é encontrar aquilo por que vale a pena viver. Quem de verdade encontra o Reino, quem o experimenta, muda para sempre sua existência: vai ligeiro, vende tudo, fica cheio de alegria! Encontrar o Reino é encontrar Jesus, e encontrar Jesus de verdade é encontrar a razão de viver, o sentido da existência, é encontrar-se consigo mesmo! Quem encontra o Reino assim, se encontra, parte de si mesmo e vai viver de verdade! Quantos cristãos experimentaram isso, quantos fizeram-se loucos, pareceram loucos, por amor de Cristo! Quantos jogaram fora amores, família, projetos, bens materiais... O que os levou a isso? O que aconteceu com Santo Antão, que vendeu todos os bens e deu aos pobres e foi viver no deserto, sozinho? O que aconteceu com Francisco de Assis? O que aconteceu com a Beata Madre Teresa de Calcutá ou com a Ir. Dulce? O que aconteceu com aquele moço que largou tudo e foi ser religioso, com aquela moça sem juízo que entrou numa comunidade de vida? O que aconteceu com aquele casal, que mudou seu modo de viver, seu círculo de amizade, que deixou suas badalações? O que aconteceu com São Maximiliano Kolbe, que entregou a vida no lugar de um pai de família? Com São José de Anchieta, que deixou sua pátria e se embrenhou no Brasil selvagem para anunciar Cristo aos índios? O que aconteceu com todos esses? O que aconteceu? O que acontece ainda hoje e continuará acontecendo ainda aminhã e depois com tantos? Eles descobriram o tesouro, eles encontraram uma pérola de valor imensurável, eles experimentaram a paz, a doçura, a verdade do Reino dos Céus!

Meus caros, estejamos atentos! Quem é mole nas coisas de Deus, quem é pouco generoso no seguimento de Cristo, quem sente como um fardo os apelos do Senhor, não experimentou ainda, não encontrou o tesouro, não viu a pérola de grande valor, não descobriu de verdade o Reino dos Céus! Cristãos cansados, cristãos sem entusiasmo, cristãos pouco generosos, cristãos de cálculos humanos, cristãos de racioínios pagãos, cristãos com uma lógica igual à do mundo são cristãos que nunca – nunca! – experimentaram a paz do Reino, a beleza do Reino, a doçura do Reino, a plenitude do Reino que Jesus nos mostra e nos dá! Atentos, irmãos: pode-se ser cristão e nunca ter-se experimentado o Reino! Pode-se ser padre ou religioso sem nunca ter descoberto o Reino... Aí, já não há alegria, já não há entusiasmo, já não se corre, se arrasta, se rasteja! O Reino tem pressa, o Reino faz vibrar, o Reino nosdeixa bêbados de sonhos por Cristo, o Reino nos faz generosos para com o Senhor, o Reino nos impele porque descobrir o Reino e experimentar o amor de Deus em Jesus Cristo! Quantos de nós se entusiasmam com tantas coisas e são tão lerdos quando se trata do Senhor e do seu Reino... Não seríamos nós um desses?

E, no entanto, o sonho de Deus é que todos possam encontrar o Seu Reino; para isso Ele nos criou, para isso nos destinou. Escutemos o Apóstolo: "Pois aqueles que Deus contemplou com Seu amor desde toda eternidade, a esses Ele predestinou a serem conformes à imagem do Seu Filho... E aqueles que Deus predestinou, também os chamou. E aos que chamou também os tornou justos, e aos que tornou justos também os glorificou". Isso nos coloca diante de duas realidades, caríssimos. Primeiro: o dever que temos de anunciar o Reino a toda a humanidade! A Igreja é missionária, anunciadora do Reino dos Céus! Uma Igreja que não tenha o desejo, que não sinta a necessidade de levar Jesus aos que ainda não o conhecem, é uma Igreja morta, sem o calor do Reino, sem o entusiasmo do Reio, sem a embriaguez do Reino, uma Igreja que já não experimenta a alegria de crer! Estejamos atentos: há tantos em terras distantes e tantos bem próximos de nós que não tiveram ainda a alegria do Reino dos Céus, pois que não encontraram o tesouro, na viram a pérola de grande valor! Ai de nós se não anunciarmos a esses a Boa Nova do Reino dos Céus! Nunca esqueçamos: quem encontra algo de muito bom, sente o desejo de comunicar, de partilhar, de tornar conhecido aos demais. Se em nós não há ímpeto missionário, é porque não encontramos, de verdade, a o Reino e sua alegria! Pensemos bem!

Mas, há uma segunda realidade, que precisamos levar em conta. Descobrir o Reino exige um olhar iluminado pela graça de Deus. Sozinhos, com nossas próprias forças, somos incapazes de discernir essa presença do Reino! Por isso é necessário suplicar, como Salomão, um coração para compreender: "Dá ao Teu servo um coração compreensivo – um coração que escute!" No Evangelho de hoje, Jesus termina perguntando: "Compreendeste essas coisas?" – Senhor, pedimos nós, dá-nos um coração capaz de compreender! Sem Teu auxílio ninguém é forte, ninguém é santo! Mostra-nos o tesouro, que é o Teu Reino! Faz-nos encontrar a pérola de grande valor, pela qual vale a pena perder tudo e todo nela encontrar! Faz-nos sentir que, pelo Reino, vale a pena deixar redes, barcos, a vida perder; deixar a família e dinheiro não ter!

Concluamos, agora, com a última, das sete parábolas: O Reino dos Céus é como uma rede jogada no mar deste mundo... Ela apanha todo tipo de peixe – apanhou a mim, a você... Olhem a Igreja, olhem a nossa comunidade: há de tudo! Todo tipo de gente, todo tipo de cristão! Mas, um dia – no Dia de Cristo! -, a rede será puxada para a margem e os peixes bons serão recolhidos nos cestos do Senhor e os peixes ruins serão lançados fora, para o fogo queimar... Eis como Jesus termina! Prevenindo-nos que é necessário decidir-se pelo Reino, que nossa vida valerá ou não a pena, terá ou não sentido dependendo de nossa atitude em relação ao Reino que Ele veio anunciar... Acolher o Reino aqui far-nos-á entrar no Reino pela Eternidade; regeitar o Reino agora, excluir-nos-á dele para sempre! Que palavra, que mistério, que medo, que esperança!


Irmãos, irmãs! "Compreendestes tudo isso?" Que o Senhor no-lo conceda, Ele que Reina para sempre. Amém. (Dom Henrique Soares)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Noite do Natal do Senhor: Por tua causa!


“A graça de Deus Se manifestou trazendo salvação para todos os homens!” Esta palavra da segunda leitura desta Noite santíssima exprime de modo admirável o sentido da Festa de hoje.

Vinde, caríssimos, aproximemo-nos do Presépio!
Para nossa surpresa, encontraremos, envolto em faixas, reclinado na manjedoura, Aquele que é a Graça de Deus feita carne, feita gente, feita um de nós; a graça de Deus com rosto humano!
Que Mistério tão grande e tão doce!

Andávamos perdidos, como tantos ainda hoje – cada vez mais, ainda hoje!
Não tínhamos um sentido para a vida;
éramos presos por nossas paixões, escravos de nossos desejos desencontrados, entregues aos nossos próprios pensamentos, que levam ao nada.
Orgulhosos, seguíamos, cada um de nós, suas próprias ideias.
Como os pagãos de hoje, pensávamos que éramos livres por fazermos o que queríamos, por seguir nossa tênue e obscura luz...

E, no entanto, éramos escravos de nós mesmos e de um mundo cego e perverso...
Não sabíamos o que fazer com a vida, com a dor, com nossos instintos e tendências, com as feridas da existência; não compreendíamos o sentido do nosso caminho, não conseguíamos vislumbrar a estrada para a verdadeira felicidade e a verdadeira paz.

O homem sozinho não consegue se vencer, não consegue se superar, não consegue se libertar... Nossa vida parecia, como a dos pagãos de hoje, uma fiada de futilidades vazias de verdadeira alegria e nosso destino seria a morte, vazia e sem sentido.
Ainda hoje, tantos pagãos, nossos amigos e familiares, nossos distantes e nossos próximos, vivem assim!
Ainda hoje, há tantas lâmpadas na nossa cidade e tão pouca luz!

Mas, para nós, nesta Noite mil vezes abençoada, “a Graça de Deus Se manifestou”!
Nós vimos a Luz, Aquela que é capaz de iluminar a nossa existência!
Jesus – eis o mais doce dos nomes; eis o Nome dessa Graça bendita, Graça com jeito, choro, e sorriso de recém-nascido!

Vinde, vinde contemplá-Lo! Ele veio para nossa salvação!
Veio para nos arrancar de nós mesmos, de nosso horizonte fechado e estreito;
veio para abrir nosso pensamento, nosso sentimento, nossa vida, abri-los à dimensão do coração de Deus, fazendo-nos felizes e verdadeiramente humanos!
Não seremos nós mesmos, não seremos realizados, não seremos livres, a não ser abrindo-nos para Ele!
Acolhamos a Graça para nós nascida, por nós vinda, e vivamos uma vida nova: “Ela nos ensina a abandonar a impiedade e as paixões mundanas e a viver neste mundo, com equilíbrio, justiça e piedade!”
Ele veio, irmãos, porque, sozinhos, não conseguimos encontrar a verdade de nossa vida... Ele é a nossa Verdade, Ele é a nossa Vida!

Caríssimos, cada vez mais o mundo cai na treva, no paganismo, na cegueira. Tocamos, mais que nunca, a descristianização, a dissolução da família, a propagação do mal, a desmoralização de toda moral, de toda dignidade, de todo valor verdadeiro, a difusão de um pensamento anticristão e contrário aos santos ensinamentos da Igreja de Cristo.

Nesta Noite sacratíssima, quantos estão se embriagando, quantos adulterando, quantos, pelas emissoras de rádio e televisão, esbaldando-se em uma programação mundana; quantos, nesta Noite esplendorosa e doce, nem sabem que existe uma esperança, um sentido, uma mão de Deus estendida para toda a humanidade. Quantos, amados irmãos, dizendo-se ainda cristãos, vivem no pecado, aplaudem o que condenável pela santa Palavra de Deus, o que é vil aos olhos do Senhor; quantos há que se dizem cristãos e pensam e sentem e vivem como o mundo que não viu nem conheceu a Graça de Deus que hoje nos apareceu! Eis que a Graça de Deus, hoje nascida do ventre da Sempre Virgem, convida-nos à conversão, convida-nos a uma séria mudança de modo de viver. Não seremos cegos, se vivermos na Sua luz; não seremos perdidos, se seguirmos Seus passos; não viveremos na morte, se nos abrirmos para a Sua Vida!

Num de seus sermões de Natal, Santo Agostinho exortava, provocava: “Expergiscere, homo: quia pro te Deus factus est homo” - “Desperta, ó homem, porque por ti Deus Se fez homem!”!
E o santo Bispo de Hipona continuava: "Desperta, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e sobre ti Cristo resplandecerá! Por tua causa, repito, Deus Se fez homem.
Estarias morto para sempre, se Ele não tivesse nascido no tempo.
Jamais te libertarias da carne do pecado, se Ele não tivesse assumido uma carne semelhante à do pecado.
Estarias condenado a uma eterna miséria, se não fosse a Sua misericórdia.
Não voltarias à vida, se Ele não tivesse vindo ao encontro da tua morte.
Terias perecido, se Ele não te socorresse.
Estarias perdido, se Ele não viesse salvar-te".

Caríssimos, tomemos consciência de tão grande graça!
Nesse Menino que repousa no presépio foi-nos dada a força para sair do sono miserável de uma vida medíocre e vazia, de uma existência morna e sem elã.

Desperta, ó cristão, porque hoje brilhou para ti a luz! Por ti, o Filho eterno fez-Se um de ti! Até onde Deus está disposto a te mostrar o Seu amor, a tirar-te de tua vida vazia!
Como exclamava a Liturgia medieval na Noite de hoje:
“Aquele que deu forma a todas as coisas recebe a forma de escravo;
Aquele que era Deus é gerado na carne;
eis que Ele é envolvido em panos, Aquele que era adorado no firmamento;
e eis que repousa numa manjedoura Aquele que reinava no céu”.


Despertemos, caríssimos! Que nossa alegria desta Noite, que a paz que inunda o nosso coração, transborde numa vida mais comprometida com o Cristo Jesus! Que nossa existência seja realmente conforme a santidade e a liberdade Daquele que hoje nasceu da Virgem Santíssima!“Porque nasceu para nós um Menino, foi-nos dado um Filho; Ele traz nos ombros a marca da realeza; o nome que Lhe foi dado é: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai dos tempos futuros, Príncipe da paz”. A Ele a glória, pelos séculos dos séculos. Amém. (Dom Henrique Soares)

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O Essencial que teima em gritar


Pense, se não é verdade...
Pense, e repense suas prioridades,
seu modo de viver, seus amores...
Pense! Nisto:

Há um instinto, um apelo,
um grito preso em nosso ser,
que clama pelo Essencial,
por aquilo que na vida
e na eternidade
jamais passará!

Pode-se tentar matar o instinto,
pode-se tentar esquecer o apelo,
pode-se fazer de tudo para sufocar o grito,
mas eles estarão lá, aqui,
bem dentro de mim,
no âmago, no íntimo,
no coração - núcleo do eu -
gritando,
clamando:
pelo Essencial,
que realiza,
que enche de plenitude,
que sossega o coração,

que - intuímos - jamais passará!


Profissão de fé para um católico



Não se brinca com a fé, não se brinca com a vida! 

Se Jesus não for Deus feito pessoalmente homem, estamos enganados, o cristianismo é uma ilusão, uma fábula bonita e ilusória. Não vale a pena ser cristão! 
Se Jesus não ressuscitou, somos uns tolos, esperamos num morto que, impotente, precisa ser ressuscitado todos os dias na nossa memória e no nosso afeto: nós o salvamos do esquecimento e do nada! 
Se todas as religiões forem verdadeiras e, portanto, igualmente falsas, são inúteis muitas das exigências morais cristãs: celibato é perda de vida e de alegria de viver, renúncias são bobagens, indissolubilidade do matrimônio é um peso inútil, os sacramentos não produzem a graça e não passam de um teatro vazio e ridículo! 
Se Cristo não fundou a Igreja, somos um bando de impostores e ser padre é, além de impostura, coisa de tolo e pura perda de tempo... A não ser que se tenha vida dupla – pois aí se engana o vazio de sentido da vida com umas piruetas pastorais e, depois, por baixo dos panos, hipocritamente, vive-se escondido o que nos outros se condena! 
Mas, nossa fé é simples e certa:
Há um só Deus: o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo!
Há um só caminho de salvação, um só caminho para o Deus bendito: Jesus, o Filho feito homem que Se encarnou por obra do Santo Espírito e nasceu, padeceu, morreu e ressuscitou para a nossa salvação. Ele deu Seu Espírito vivificante à Sua Igreja para que ela seja ministra da salvação por Ele trazida!
Cristo fundou uma só Igreja, que subsiste na Igreja católica.
Reconhecemos, agradecidos, os elementos de eclesialidade que haja em outras denominações cristãs: pertencem à única Igreja de Cristo (a Igreja católica) e para a sua comunhão visível impelem! Todos os batizados, ainda que não plenamente unidos na comunhão visível da única Igreja de Cristo, são realmente nossos irmãos. O ecumenismo visa a unidade visível e plena de todos os cristãos. Eixo visível dessa unidade, por vontade irrenunciável de Cristo, é o Sucessor de Pedro, Bispo de Roma.
Reconhecemos também que fora da única religião verdadeira, que é o cristianismo, há elementos de bondade e de verdade, sobretudo no judaísmo, que é religião verdadeiramente revelada e preparação direta para o Cristo Jesus. Também o islamismo, adorando um único Deus, apesar de sérias deturpações, possui elementos que se aproximam da verdade revelada por Cristo Jesus, único revelador do Pai!
Todos os elementos de bondade existentes nas religiões não cristãs são uma preparação para o Cristo!
Cristo é o único Salvador e fora Dele não pode haver salvação: todos os que se salvam, ainda que não cristãos, são salvos somente porque Ele morreu por todos e a todos abriu a glória do céu. Do mesmo modo a Igreja, Seu corpo, é ministra universal da salvação de Cristo: fora da Igreja não há salvação, pois toda salvação passa pelo ministério da Igreja, a quem Cristo está unido como a cabeça ao corpo e o esposo à esposa. Em Cristo, cabeça da Igreja que é Seu corpo, até os não cristãos podem obter a salvação.
No entanto, o plano de Deus é que todos conheçam a Cristo e a oferta de salvação que o Pai Nele faz a toda a humanidade: que todos creiam no Senhor Jesus e Nele recebam a plenitude da vida! 
Esta é a nossa fé: a das Escrituras, dos concílios, dos Santos Padres, do catecismo, dos nossos antepassados. O que passa disso, vem do Maligno! (Dom Henrique Soares)

Um Reino, uma Cidade desejada, uma Plenitude


Que bela exortação, que belo consolo, que injeção de ânimo, o evangelho: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai dar a vós o Reino”.

Como nas nossas origens, vamos nos tornando cada vez mais um pequenino rebanho; o Senhor nos vai purificando, vai fazendo Sua Igreja, a gosto ou a contragosto, perceber que ela está no mundo, mas é diferente do mundo: seu modo de pensar, de viver, de avaliar, de agir não pode ser aquele do mundo.

Efetivamente, vamos nos sentindo cada vez menos compreendidos e menos à vontade na bem-pensante sociedade atual. Somos, enfim, um pequenino rebanho; e a nós o Senhor diz: “Não tenhais medo, pequenino rebanho!” O Pai nos quis dar o Reino – e o Reino é o próprio Jesus, que nos envolve de vida e nos ilumina com seu santo Evangelho! Não tenhais medo!

E, então, Jesus nos exorta: “Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega nem a traça corrói. Porque, onde está o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”.

Que palavras belíssimas: O Senhor nos convida à coragem de “vender” a vida, “vender” nossos bens – isto é, relativizar tudo – para fazer de Deus o nosso único absoluto!

Na verdade, Jesus nos convida a esperar de verdade a Vida eterna, esperar de verdade que um dia estaremos todos em Deus por meio de Jesus Cristo! O que Jesus hoje os pede é a coragem de viver no mundo, mas sem ser do mundo, sem meter o nariz neste mundo de modo a perder Deus de vista! Afinal, é tão fácil absolutizar o relativo!

Ah, irmão! Tenhamos – você e eu – a coragem de colocar realmente o tesouro de nossa vida ali, onde a traça não corrói! A vida é preciosa demais para perde-la com bobagens! Mas, somente veremos isto se estivermos vigilantes, se na união profunda com Jesus pela oração, pela escuta de Sua santa Palavra, pela fiel participação nos sacramentos, mantivermos a saudade das coisas do Céu.

Aliás, este é uma das carências da Igreja atual: ter quem nos fale do Céu, quem nos faça sentir desejo do Céu, saudade do Céu!

Uma Igreja que não saiba desejar, sonhar e se encantar com o Céu que o Senhor nos prepara, perderá de vista o mais profundo de sua missão, errará o foco e tomará por absoluto o que é apenas relativo – mesmo que seja coisa importante. Coisas importantes com que se preocupar, a Igreja as tem; coisa essencial, somente Jesus, que é nosso Céu, o Céu que o Pai nos deu!

E estejamos atentos: esta saudade do Céu, esta sede de Deus não é uma alienação, uma fuga da realidade, mas um ver a realidade com os olhos de Deus e, assim, ver realmente, com realismo tudo quanto nos cerca é tudo quanto vivemos.

Por tudo isto, não temais, pequenino rebanho: o Pai vos espera; dar-vos-á o Seu Reino. Vale a pena sofrer e suportar contradições nesta vida; vale a pena caminhar com o Senhor, como parte do Seu rebanho, que é a Mãe católica! Como dizia São Bernardo de Claraval, nossa vida neste mundo é semente de eternidade! (Dom Henrique Soares)


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O mistério do Batismo do Senhor: uma Epifania!


A Festa de hoje encerra o sagrado Tempo do Natal mistério do Senhor que faz parte da Semana da Epifania, esse último período do tampo natalino que celebra a Manifestação do Senhor que veio na nossa carne mortal, na nossa humana natureza para nos encher com a Sua divindade. Trata-se, portanto, de um mistério de Manifestação, de Epifania do Senhor Jesus: o Pai apresenta, manifesta publicamente a Israel o Salvador que Ele nos deu, o Menino que nasceu para nós: “Tu és o Meu Filho amado; em Ti ponho o Meu bem-querer”, ou, segundo a versão de Mateus: “Este é o Meu Filho amado, em Quem Me comprazo!” (3,17). Solenemente, o Pai derrama sobre o Filho todo o Seu Amor – e esse Amor não é uma coisa: é uma Pessoa – o próprio Espírito Santo de Amor, que aparece sob a forma corpórea de uma pomba!

Estas palavras ditas pelo Senhor santíssimo, Deus de Israel, contêm um significado muito profundo: o Pai apresenta Jesus usando as palavras do profeta Isaías, que ouvimos na primeira leitura da missa. Mas, note-se: Jesus não é somente o Servo de quem falava a leitura; Ele é o Filho, o Filho amado! O Servo que o Antigo Testamento anunciava é muito mais que um servo: é também e misteriosamente o Filho amado eternamente! No entanto, é Filho que sofrerá como o Servo, que deverá exercer sua missão de modo humilde, pobre e doloroso!

Hoje, às margens do Jordão, Jesus foi ungido com o Espírito Santo como o Messias, o Cristo, aquele que as Escrituras prometiam e Israel esperava. Agora, Ele pode começar publicamente a missão de anunciar e inaugurar o Reino de Deus. Esta missão, o Senhor começou desde que Se fez homem por nós; agora, no entanto, vai manifestar-Se publicamente, primeiro a Israel e, após a ressurreição, a toda a humanidade. É na força do Espírito Santo que Ele pregará, fará Seus milagres, expulsará Satanás e inaugurará o Reino; é na força do Espírito que Ele viverá uma vida de total e amorosa obediência ao Pai e doação aos irmãos até a morte e morte de cruz. Ele é o Ungido pelo Pai com o Espírito Santo para trazer a Vida divina para toda a criação e toda a humanidade. É esse Espírito bendito a força que Dele sai e cura a todos; é na força desse Espírito Bom e Criador que o nosso Cristo “passou fazendo o bem e curando a todos os que se encontravam sob o poder do reino de Satanás porque Deus estava com Ele!” (At 10,38)

Mas, atenção: como já dissemos, esse Jesus que é o Filho, é também o Servo sofredor, anunciado por Isaías. Hoje, nas palavras pronunciadas no Jordão, o Pai revela a Jesus qual o modo, qual o caminho que Ele deve seguir para ser o Messias como Deus quer: na pobreza, na humildade, no despojamento, no serviço! É assim que o Reino de Deus será anunciado no mundo. Jesus deverá ser manso: “Ele não clama nem levanta a voz, nem se faz ouvir pelas ruas”. Deve ser cheio de misericórdia para com os pecadores, os fracos, os pobres, os que vivem na solidão, na amargura, os sem esperança: “Não quebra a cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega”. Ele irá sofrer, ser tentado ao desânimo, mas colocará no Seu Deus e Pai toda a Sua esperança, toda a Sua confiança: “Não esmorecerá nem Se deixará abater, enquanto não estabelecer a justiça na terra”. O Senhor Deus estará sempre com Ele e Ele veio não somente para Israel, mas para todas as nações da terra: “Eu, o Senhor, Te chamei para a justiça e Te tomei pela mão; Eu Te formei e Te constituí como aliança do povo, luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirar os cativos da prisão, livrar do cárcere os que vivem nas trevas”. Que surpresa! Jesus é o Messias que não somente é um servo enviado por Deus, mas o próprio Filho amado, Filho bendito gerado no Amor do Pai; Jesus é o Messias que exercerá Sua missão não em gloria, mas em humilde serviço e tribulação; Jesus é o Messias não somente para Israel, mas para toda a humanidade que, crendo Nele, Nele encontrará a luz de Deus!

E o Nosso Senhor já começa cumprindo Sua missão na humildade: Ele entra na fila dos pecadores, para ser batizado por João. Ele, que não tinha pecado, assume os nossos pecados, faz-Se solidário conosco; Ele, o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo! “João tentava dissuadi-Lo, dizendo: ‘Eu é que tenho necessidade de ser batizado por Ti e Tu vens a mim?’ Jesus, porém, respondeu-lhe: ‘Deixa estar, pois assim nos convém cumprir toda a justiça’” (Mt 3,14s).Assim convinha, no plano do Pai, na Justiça de Deus, que Jesus Se humilhasse, Se fizesse Servo e assumisse os nossos pecados! Ele veio não na glória, mas na humildade, não na força, mas na fraqueza, não para impor, mas para propor, não para ser servido, mas para servir. Eis o caminho que o Pai indica a Jesus, eis o caminho que Jesus escolhe livremente em obediência ao Pai, eis o caminho dos cristãos, o caminho da Igreja, e não há outro!

Que mistério tão grande, Irmãos! O Menino que nasceu para nós, a Criança admirável que cresceu em sabedoria, idade e graça, submisso aos Seus pais na família de Nazaré, o Deus perfeito, filho da Toda Santa Mãe de Deus, Aquele que com o brilho de Sua Estrela atraiu a Si todos os povos, hoje é apresentado pelo Pai: Ele é o Filho querido, Ele é o Servo sofredor, Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, Ele é o Messias, o Ungido de Deus! Acolhamo-Lo na nossa existência e no nosso coração e nossa vida terá um novo sentido. Seguindo-O, chegaremos ao coração do Pai que o enviou e é Deus com Ele, nosso Salvador e com o Bom e Vivificante Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.